Blinde-se e ame-se.

Preciso te contar um segredo, a felicidade não é deste mundo.

 

Ah, Alice, mas por que você fala isso?
É a pura verdade, a felicidade plena, aquela em que você é feliz 100% do seu dia, 100% do seu tempo, essa não existe no mundo terreno.
Para quem conhece um pouco da doutrina espírita vai entender do que estou falando, para quem não entende nada de espiritismo, vou resumir em poucas palavras, estamos no mundo para aprender e ter inúmeras expiações e tentações.

 

Mesmo a felicidade não sendo deste mundo temos que nos reerguer e entender que apesar dela não existir por completo, nós podemos e devemos tê-la e procurá-la.

 

Como procurar a felicidade?
Primeiro sendo feliz com você mesma.

 

Eu, por muitos anos, não fui feliz comigo mesma. Não entendia o porquê de eu ser lésbica e o porquê não conseguir externalizar isso. Mas há coisas que acontecem conosco que não há como ter explicação. Entender porque sou lésbica é uma das poucas coisas na vida que eu parei de querer entender. Ser homossexual é muito mais do que gostar do mesmo sexo, é muito mais do que querer ser menino e estar no corpo de uma menina e vice-versa. Ser homossexual é ser humano, é ter sentimentos, é ter medo, é ter coragem é ser acima de tudo uma pessoa que se ama.

 

Ah, mas como me amar? Você me pergunta.
É um eterno aprendizado e uma eterna luta, pois não há vitórias sem batalhas e não há sobreviventes fracos.

 

Há quinze/vinte anos atrás ligar o foda-se e não olhar para trás e para os lados era muito mais complicado. Hoje conheço meninas e meninos que se assumiram para a família/sociedade aos quinze anos de idade e fico feliz por isso. A informação hoje é muito mais rápida e acessível. Quando eu tinha quinze anos eu precisava ir até uma lan-house para usar a internet. Hoje a internet está na mão a qualquer minuto e muito mais barata do que antes.

 

Ok! Mas você ainda não me explicou como faço para me amar.
Calma, muita calma…

 

Abandone a eterna vontade de agradar aos outros. Não seja egoísta, mas também não seja prisioneiro da opinião alheia. É complicado achar um meio termo, até hoje eu ainda não achei e muitas vezes cedo ao que os outros querem e esqueço o que eu quero.

 

Blinde-se! Blinde-se como se você fosse travar uma guerra contra Ramsey em Game of Thrones. Blinde-se porque a batalha vai ser tensa e no fim o perdedor vai ser jogado aos cães.

 

Exagerei?

 

Talvez!

 

Se você ainda não saiu da casa dos seus pais, saia. É o primeiro passo para o botão do foda-se tomar forma. Morar com seus pais faz com que você viva as regras deles, a vida deles.

 

Eu demorei para descobrir e entender que ser lésbica não tem nada haver com criação e não existem culpados para eu ser assim. Demorei para ver que a minha felicidade dependia muito mais de mim do que das companhias com quem eu andava. Se eu não estava bem eu não estaria bem em nenhum lugar. Afinal, nós estamos conosco mesmas desde sempre. Nascemos e morremos juntas. Você convive com você mesma 24 horas por dia, 7 dias da semana, 12 meses ao ano. Se você não estiver bem com você mesma, vai estar bem com quem?

 

Eu já quis me matar, eu já falei ao meu pai que eu não escolhi nascer, eu fui uma criança introspectiva e solitária. Eu amava meus amigos imaginários e convivia pouco com os reais. Você não precisa ser assim. Você precisa se encontrar.

 

Se eu fosse 100% Alice e esquecesse que a Alice é apenas um heterônimo, uma personagem que criei para escrever, eu com certeza não desligaria o foda-se e iria magoar muita gente. Seus pais têm expectativas sobre você. Querem que você seja um bom aluno, um bom filho, um bom neto e um sobrinho exemplar, qualquer coisa que sair das expectativas deles será um transtorno e uma desilusão. Mas qual filho não causa desilusão? Aqueles que vivem as regras dos pais, que lêem a cartilha “como não iludir os pais” antes mesmo de nascer? Todos causamos desilusão, mais cedo ou mais tarde.

 

Há alguns anos atrás, aprendi que eu não sou culpada pelas desilusões dos meus pais, eles são os próprios culpados. Eu não disse que seria heterossexual quando nasci, eu não disse que faria faculdade pública, eu não disse que não iria beber, eu não disse que seria boa em matemática, eu não disse que iria ser rica e dar dinheiro a eles, eu nunca disse que iria casar com um homem. Eles criaram essas ilusões sem me questionar se eu estava de acordo. E eu tenho minhas desilusões com eles. Tanto quanto eles têm comigo. A relação humana é baseada na desilusão, mais cedo ou mais tarde você vai magoar alguém, vai se magoar e vai se sentir mal.

 

Em uma discussão com meu irmão ele (senhor quase perfeito, filho quase perfeito) me disse que eu estava matando nossos pais. Eu respondi, chorando e quase me culpando, que eles estavam se matando sozinhos e que eu estava feliz em ser quem eu sou e que nada iria mudar minha sexualidade. NADA!

Chegamos onde eu queria chegar.
No NADA? Não! Chegamos no fato de que, apesar de fazer tudo do jeito que os outros querem, você ainda vai magoá-los. Então já que você vai magoar de qualquer jeito, magoe se colocando em primeiro lugar.

 

Vou dar dois exemplos de desilusão que a culpa é sua, nesse caso, minha, mas tenho certeza que você já passou por isso. Uma é quando você adota um cachorro ou gato, se ele for de raça, já terá algumas características pré-determinadas, mas isso não quer dizer que o pestinha vai ser daquele jeito. Se ele for sem raça, pior ainda. Ele vai ter manias, jeitos, vai ser arteiro, vai ter doenças e não vai te obedecer. É a mesma coisa quando seus pais descobriram sobre a gravidez, eles criaram (na cabeça deles) uma pessoa diferente do que você é hoje. Aí está a desilusão.
Outro caso muito bom, é quando você procura por uma academia. Você está empolgadíssima com o começo, quer perder 10 kilos antes do Natal e na aula experimental tudo parece lindo e perfeito, mas com o tempo, você percebe que os frequentadores são chatos, metidos e espaçosos (em qual academia é diferente?) e a moça da limpeza não limpa como deveria, ou como você acha que deveria limpar. Outra desilusão.

 

Com certeza nos dois casos, você não perguntou tudo sobre o cachorro ou não teve paciência de ensiná-lo e também não perguntou sobre as pessoas ao dono da academia. E a ilusão foi criada.
 
A culpa da desilusão dos seus pais não é sua, é deles. Quem criou o filho perfeito na cabeça foram eles e não você.

 

Ok, eles têm culpa da desilusão, mas e o amor que eles deram, as noites mal dormidas?
Você vai retribuir amando e quando necessário vai dormir mal por causa deles (seja em um hospital ou para ceder a cama melhor a eles), mas não vai se anular por conta deles. Não vai deixar de amar por causa deles, deixar de namorar, de fazer sexo, de viver.
Entende o que digo?

 

Eu já fiz muita coisa para agradar meus pais, muita mesmo. De namorar meninos à seguir uma religião que não me completava. Fui católica por 22 anos por causa deles, para agradá-los. Adiantou alguma coisa? Não! Hoje sou espírita. Você me pergunta e eles aceitaram? Eu te falo, não sei. Apenas estou vivendo minha vida sem dar grandes satisfações sobre como eu encaro o mundo.

 

Todas as desilusões doem, mas com o tempo você se cura, se acostuma e tenta entender.
A cura da desilusão é totalmente interna e pessoal, você nunca vai poder curar seus pais pelas expectativas que eles criaram sobre você.
Então, nem tente ser alguém que você não é. Seja você, liberte-se, voe, transforme-se, pois quem te ama estará sempre ao seu lado. Pode demorar, mas um dia a cura vêm e os seus pais vão te ver com outros olhos.

 

Eu comecei o texto falando de felicidade e acabei falando de ilusão e desilusão, correto?
Seguindo a linha de raciocínio que eu fiz, você entendeu porque a felicidade não é desse mundo?

 

A felicidade é muito volátil, não depende de apenas uma coisa e de uma pessoa. É um conjunto de ações que envolvem pessoas e se você não está blindado e atento, o Ramsey vai ser muito mais esperto e te cercar com o exército dele.

 

Blinde-se, ame-se e lute sempre, pois a luta faz parte da nossa evolução moral e espiritual.

Um abraço.
Alice

 

 
 
 
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